5 PRINCIPAIS ARTIGOS
EM CARDIOLOGIA DE 2017
Iniciar um novo ano é uma boa oportunidade de rever o que foi desenvolvido no ano anterior. Os médicos pesquisadores Robert Harrington – da universidade de Stanford- e Michael Gibson – professor da escola de medicina de Harvard – elencaram os CINCO principais estudos na área da cardiologia publicados no ano de 2017. Estamos brindando nossos leitores com um resumo “direto ao ponto” de cada um desses artigos (em português!), seguidos pela essência dos comentários entre os pesquisadores da matéria do Medscape.
Confira também a discussão original entre os pesquisadores, na íntegra, no site do MedScape:
Resumo: Ensaio clínico randomizado multinacional, duplo-cego, controlado por placebo. Comparou o uso de pelo menos uma dose de anticorpo monoclonal que inibe a PCSK9 (proprotein convertase subtilisin–kexin type 9) e placebo em pacientes entre 40 e 85 anos com histórico de doença aterosclerótica. O uso do Evolocumab é baseado no fato de que a inibição da PCSK9 levaria à degradação dos receptores de LDL – um dos principais fatores de risco modificáveis em doenças cardiovasculares- no fígado. O desfecho primordial eram eventos cardiovasculares maiores, ou seja, infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular encefálico (AVE), hospitalização por angina instável ou revascularização coronariana. Desfecho secundário era composto: morte por IAM ou AVE.
Principais Resultados: Grupo intervenção, na semana 48, apresentou redução de cerca de 59% nos níveis de LDL (de 92 para 30 mg/dl) (P<0.001). O uso de Evolocumab reduziu significativamente a incidência do desfecho primário: risco relativo, 0.85; Intervalo de confiança 95% entre 0.79 e 0.92; P<0.001. Houve também benefício no tocante ao desfecho secundário: 5.9% no grupo intervenção versus 7.4% no grupo placebo (Risco Relativo, 0.80; intervalo de confiança de 95%, 0.73-0.88; P<0.001). O benefício da redução de risco do anticorpo tanto para o desfecho primordial quanto para o secundário apresentou tendência a aumentar após o primeiro ano do estudo. No entanto, analisando individualmente desfechos, não houve diminuição da mortalidade.
Comentário: A crítica que se faz ao estudo é quanto ao custo-benefício da droga. Baseando-se no número necessário para tratar do anticorpo (NNT= 70), seria necessário um gasto anual de cerca de 1.000.000 de dólares para prevenir um evento não fatal.
2. CANTOS
Resumo: Ensaio Clínico Randomizado, duplo cego, controlado por placebo. O estudo avalia a eficácia de anticorpo monoclonal cujo alvo é a interleucina-1 β. A teoria, ainda não comprovada, é quanto à possibilidade de combater a aterosclerose atacando a via inflamatória sem reduzir os níveis plasmáticos de colesterol. Comparou diferentes doses de Canakinumab (50, 150 e 300 mg) e placebo em pacientes com IAM prévio e níveis de proteína C reativa ≥ 2 mg/l. O desfecho primordial era IAM, AVE não fatal ou morte por causa cardiovascular.
Principais resultados: Houve diminuição do risco relativo para o desfecho primordial em todos os grupos da intervenção. 50 mg: RR: 0.93 (IC 95% 0.80- 1.07; P=0.30); 150-mg: RR 0.85 (95% IC 0.74 -0.98; P=0.021); 300-mg: RR 0.86 (95% IC 0.75 – 0.99; P=0.031). Na análise estatística multivariada, apenas a dose de 150 mg apresentou benefício para o desfecho primordial e para o secundário, que incluía hospitalização por angina estável exigindo revascularização urgente. O uso do anticorpo foi relacionado à maior ocorrência de infecção fatal que o grupo placebo. Não houve diferença na mortalidade por todas as causas.
Comentário: A importância do estudo se dá principalmente por debater uma hipótese ainda não testada sobre o papel da inflamação na aterosclerose. A droga de escolha do estudo, assim como a grande maioria dos anticorpos monoclonais, é bastante cara. Este fato coloca em questionamento o custo-benefício da terapia. O responsável pelo CANTOS está desenvolvendo um estudo com uso de imunossupressores com custo mais acessível. O desfecho primordial era morte por causas cardiovasculares, acidente vascular encefálico e infarto agudo do miocárdio.
3. COMPASS
Resumo: Ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por tratamento ativo (Aspirina isolada). Randomizou pacientes com angina estável para receber uma das seguintes opções de tratamento: Rivaroxabana, Rivaroxabana + aspirina ou aspirina isolada. O intuito era avaliar a eficácia da Rivaroxabana sozinha ou associada à aspirina em comparação à aspirina isolada na prevenção cardiovascular secundária.
Principais resultados: O estudo foi interrompido pela superioridade do grupo Rivaroxabana+ aspirina após 23 meses de seguimento. Houve menor ocorrência do desfecho primário no grupo Rivaroxabana + aspirina em comparação ao grupo aspirina isolada (RR 0.76; IC 95% 0.66-0.86; P <0.001). No entanto, ocorreram mais eventos hemorrágicos no grupo que recebeu a associação de medicamentos novamente em comparação à aspirina isolada (RR 1.70; IC 95% 1.40-2.05; P< 0.001). Não houve benefício do uso de Rivaroxabana isolada quando comparada à aspirina isolada na prevenção cardiovascular secundária.
Comentário: Os resultados do estudo COMPASS remetem ao fato de que, nas doenças em geral, mais de uma via fisiológica está envolvida. No caso deste estudo, a associação da inibição do fator Xa à inibição da COX foi capaz de reduzir significativamente a incidência do desfecho primário. Por outro lado, aumento do número de sangramentos também deve ser considerado. Dificilmente haverá ganho nos desfechos sem haver a contrapartida do aumento dos riscos. O COMPASS traz uma nova possibilidade de prevenção secundária e esta é a importância do estudo. No entanto, cada profissional deve avaliar os riscos e os benefícios de cada paciente individualmente. Especialmente na realidade da saúde pública brasileira, a associação ainda não possa ser empregada pelo custo, uma vez que a Rivaroxabana não é um medicamento fornecido pelo SUS.
4. CULPRIT-SHOCK Practice Changing
Resumo: Ensaio Clínico Randomizado, multicêntrico. Pacientes com IAM e choque cardiogênico foram randomizados para receber intervenção coronária percutânea apenas no vaso comprometido e após nos demais vasos com lesão ou intervenção em múltiplos vasos imediatamente. Desfecho primário era composto por morte ou insuficiência renal grave com necessidade de transplante dentro dos primeiros trinta dias após a intervenção.
Principais resultados: A intervenção imediata apenas do vaso acometido foi mais segura tanto na comparação do desfecho composto quando dos eventos isolados. No desfecho composto, ou seja, morte ou insuficiência renal grave com necessidade de transplante, a intervenção apenas da artéria comprometida apresentou um risco relativo de 0.83 (IC 95% 0.71-0.96; P=0.01). O risco relativo para morte para o mesmo grupo de paciente randomizados foi de 0.84 (IC 95% 0.72-0.98; P= 0.03) e para necessidade de transplante renal de 0.71 (IC 95% 0.49-1.03; P=0.07).
Comentário: O CULPRIT é visto como um estudo modificador de prática médica por apresentar uma importante redução tanto de desfecho composto quanto de mortalidade. Sabe-se que, na maioria das vezes, pacientes que apresentam IAM e choque cardiogênico são acometidos por doença multiarterial e, não raramente, necessitam de mais de uma ida ao laboratório de cateterismo. A ideia de que, inicialmente, tratar somente a lesão culpada pelo evento e, após, das outras coronárias acometidas, caso o paciente sobreviva ao choque, era vista até então como medida conservadora. É preciso considerar a dose de contraste, o trauma que a própria intervenção causa nos vasos e a resposta inflamatória em um paciente já muito debilitado no momento de decidir pela intervenção mono ou multiarterial.
5. ORBITA and the Editorial That Went Too Far
Resumo: Ensaio clínico randomizado, duplo cego, multicêntrico, controlado por placebo. O estudo randomizou pacientes com angina que apresentassem estenose grave (≥ 70%) de uma das artérias coronarianas. Os participantes realizaram Teste de exercício cardiopulmonar, questionários de sintomas e ecocardiograma com estresse farmacológico. Eram, então, randomizados para o grupo de intervenção coronariana percutânea ou placebo. Após 6 semanas, os testes iniciais seriam repetidos. O desfecho primário era a diferença no incremento de tempo de exercício.
Principais Resultados: Não houve diferença na capacidade de exercício entre os grupos (intervenção – placebo: 16.6 s, IC 95$ 8.9-42.0 s; P= 0.200) bem como dos sintomas clínicos de angina. As principais complicações foram hemorragia e problemas com fio utilizado no procedimento do grupo placebo.
Comentário: O ORBITA é um estudo importante por analisar melhora sintomática de uma doença comum nos ambulatórios e nas enfermarias de medicina em geral: angina. Uma crítica importante que é feita ao estudo refere-se ao tempo de seguimento. Muitas semanas após o procedimento no laboratório de cateterismo, ainda há disruptura microvascular. Esta é a razão pela qual o tempo de reavaliação com teste de esforço em seis semanas não é adequado para mostrar se há ou não benefício. Além disso, pacientes que apresentam sintomas esporádicos de angina – episódios mensais, por exemplo – e que se mantiveram assintomáticos em 6 semanas podem ser vistos como falsa melhora. Vale ressaltar também que o ORBITA randomizou 200 pacientes, sendo considerado um estudo de pequeno a médio porte. Em suma, os resultados do trial são importantes, mas não definitivos. A comunidade científica aguarda os resultados do ISCHEMIA para se posicionar com mais segurança. Outro ponto curioso é o editorial do periódico Lancet sobre o ORBITA que é considerado um editorial que foi longe demais. Os pesquisadores do MedScape ressaltam que as interpretações apresentadas no editorial não são compatíveis com os dados disponíveis, chegando a, segundo eles, beirar a irresponsabilidade.
Fonte: EBM Academy
Principais trials do ano de 2017
The Top Cardiology Trials of 2017 in Review
FOURIER, CANTOS, COMPASS, CULPRIT-SHOCK, and ORBITA
Robert A. Harrington, MD; C. Michael Gibson, MD
The Top Cardiology Trials of 2017 in Review
FOURIER, CANTOS, COMPASS, CULPRIT-SHOCK, and ORBITA
Robert A. Harrington, MD; C. Michael Gibson, MD
LEIA TAMBÉM:
2018 Top Clinical Trials and Journal Scans
https://www.acc.org/latest-in-cardiology/articles/2018/12/14/06/47/2018-top-clinical-trials-and-journal-scans
Nenhum comentário:
Postar um comentário