Lítio: o papel do metal que iniciou a psicofarmacologia moderna
O lítio é o tratamento padrão contra transtorno bipolar e já mostrou benefícios em outros problemas psiquiátricos e neurodegenerativos
Antes da descoberta do lítio como medicamento, os pacientes com transtorno bipolar, na maioria das vezes, tinham suas vidas devastadas, necessitavam de meses ou anos de hospitalização, com perda da produtividade e altas taxas de suicídio. Neste sentido, recentemente, fui gentilmente chamado pela diretora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP) para participar da missão de cooperação entre a Universidade de São Paulo e a Universidade de Aarhus na Dinamarca.
O uso do lítio na medicina
Já antes da viagem, meu colega, professor e psicofarmacologista Francisco Guimarães lembrou que os estudos seminais dos efeitos do lítio no tratamento do transtorno bipolar foram realizados justamente naquela Universidade na Escandinávia.
De fato, foi na segunda metade do século XX, que o psiquiatra dinamarquês Mogens Schou (1918-2005) e seus colegas confirmaram e expandiram as observações iniciais do uso do lítio realizadas pelo australiano John Cade (1912-1980), por meio de estudos sistemáticos e controlados.
Tratamento de transtorno bipolar
O professor Schou demonstrou que o uso deste composto era capaz não só de melhorar as crises de mania, mas também de prevenir a recorrência de novos episódios maníacos e de depressão, característicos do transtorno bipolar. A princípio, os achados de Schou tiveram enorme resistência dos psiquiatras britânicos, que inicialmente não acreditavam nas propriedades profiláticas do lítio.
Entretanto, o papel do lítio como estabilizador do humor foi consolidado após a sua aprovação em 1970 pelo FDA (U.S. Food and Drug Administration). Destaca-se que mesmo após tantos anos da comprovação de sua eficácia, a despeito do lançamento de novos estabilizadores de humor, o lítio permanece ainda hoje como o medicamento padrão no tratamento do transtorno bipolar.
Benefícios em outros transtornos mentais
Sabe-se que o impacto econômico do uso do lítio, apenas nos Estados Unidos, é de pelo menos 8 bilhões de dólares por ano. Além disso, outros importantes benefícios deste composto foram demonstrados, como a capacidade de prevenir suicídio e suas características profiláticas e neuroprotetoras.
Do mesmo modo, novas observações têm evidenciado que o lítio pode ter efeito preventivo de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer. Neste sentido, um impressionante estudo populacional na Dinamarca, publicado recentemente, com mais de 800.000 indivíduos, verificou que a ingestão frequente de água com baixos níveis de lítio está associada com menor incidência de demência na população geral.
O papel de José Bonifácio na descoberta do mineral
A despeito de toda a importância do lítio, curiosamente foi justamente um ilustre brasileiro, José Bonifácio de Andrada e Silva ‒ um dos mentores da independência do Brasil ‒, quem teve um papel crucial na descoberta deste mineral. É pouco conhecido, porém, além de político abolicionista, poeta e diplomata, José Bonifácio foi também professor de geologia na Universidade de Coimbra, Portugal, sendo que, ao longo de dez anos, viajou pela Europa estudando a química de novos minerais.
Entre outros achados, em uma viagem à Suécia (de novo, a Escandinávia!), José Bonifácio descobriu, pela primeira vez (no ano de 1800), a petalita e o espodumênio, minerais muito ricos em lítio, nos quais posteriormente os químicos suecos conseguiram isolar o metal.
Ironicamente, por ser um elemento da natureza, o lítio não podia ser patenteado e por isso não tinha interesse comercial. Porém, este fato contribuiu para que este medicamento tenha se tornado um dos mais baratos no tratamento psiquiátrico. Assim, atualmente o lítio é listado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um dos medicamentos essenciais, sendo que a sua introdução na psiquiatria proporcionou incalculáveis benefício a milhões de pessoas no mundo todo.
Fonte: Veja
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