quarta-feira, 14 de junho de 2017

Brasileiros criam método para diagnosticar esquizofrenia na primeira consulta

Brasileiros criam método para diagnosticar esquizofrenia na primeira consulta

Cientistas do Instituto do Cérebro, em Natal, usam algoritmo para analisar fala de jovens pacientes

Um novo método para o diagnóstico de esquizofrenia, desenvolvido por cientistas brasileiros, poderá ser utilizado como exame complementar, permitindo que os médicos identifiquem a doença já na primeira consulta de pacientes adolescentes, com mais de 90% de precisão.

Empregando algoritmos para analisar a estrutura da fala dos jovens que apresentam sintomas iniciais de esquizofrenia, a técnica poderá antecipar o diagnóstico em pelo menos 6 meses, evitando o risco - em geral bastante comum - de submeter o paciente à medicação errada, segundo os pesquisadores.

O estudo que descreve o novo método foi publicado na revista científica Schizophrenia, do grupo Nature, por uma equipe liderada pelo neurocientista Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro, ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Os outros autores da pesquisa são a psiquiatra Natália Mota, da mesma instituição e o físico Mauro Copelli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

De acordo com Ribeiro, um dos maiores problemas atuais da indústria farmacêutica em psiquiatria é evitar tratar o paciente para a doença errada. "Essas doenças não têm base biológica clara e, portanto, não há exames inequívocos para o diagnóstico", disse o cientista ao Estado.

Em pesquisas anteriores, utilizando modelos matemáticos para analisar a estrutura do discurso dos esquizofrênicos, os cientistas perceberam eles têm uma fala notavelmente empobrecida, quase aleatória. Os pacientes estudados, porém, já haviam sido diagnosticados e sofriam da doença há muito tempo, apresentando uma deterioração cognitiva bastante avançada e difícil de reverter.

No novo artigo, os cientistas, com uma análise muito mais sofisticada da fala dos pacientes, os cientistas conseguiram fazer medidas precisas do grau de aletoriedade da estrutura verbal.

"O objetivo era resolver um problema clínico: fazer o diagnóstico da esquizofrenia em adolescentes psicóticos ainda em seu primeiro contato clínico, quando o diagnóstico entre esquizofrenia, bipolaridade e outras doenças é muito mais difícil, justamente porque eles ainda não tiveram a deterioração cognitiva decorrente de uma longa história de crises psicóticas", disse.

Ribeiro explicou que atualmente, por conta da dificuldade do diagnóstico, é preciso acompanhar o paciente por 6 meses para definir o diagnóstico, para evitar uma medicação equivocada, que poderia ser desastrosa. Mas, nesse período, a degradação cognitiva pode se agravar.

"Mostramos que é possível calcular um número único - que chamamos de índice de fragmentação - capaz de prever com grande acurácia o diagnóstico da esquizofrenia 6 meses antes, na primeira entrevista psiquiátrica do paciente. Isso significa que o psiquiatra pode usar esse índice para dar um diagnóstico inicial mais certeiro já no primeiro encontro com o paciente", afirmou.

Aplicação clínica

De acordo com a médica psiquiatra Natália Mota, primeira autora do artigo da Schizophrenia, a ideia inicial do estudo com foco na fala do esquizofrênico partiu de conceitos da psicopatologia clássica. Mesmo que uma pessoa tenha alucinações e delírios, é preciso ter algum critério para distinguir a esquizofrenia, que leva ao longo dos anos a uma deficiência cognitiva, de outras doenças como o transtorno bipolar. E a maneira de se expressar tem sido um critério para isso desde o século 19.

"Há muito tempo os sintomas da desordem do pensamento expressa na fala foram descritos como típicos da esquizofrenia. Não apenas o conteúdo do que a pessoa fala, mas a forma. O psiquiatra observa esses sintomas a partir do que chama de 'descarrilamento do pensamento e frouxidão das ideias'", disse Natália ao Estado.

Na primeira fase do estudo, os cientistas gravaram relatos simples feitos por pacientes crônicos de esquizofrenia - em surto psicótico e medicados - e por pessoas saudáveis. Os relatos foram então analisados com o uso da teoria dos grafos, um ramo da matemática que estuda as relações entre os elementos - neste caso, as palavras - de um determinado conjunto.

"Mostramos ali que o nosso método era capaz de medir as características da conectividade das ideias na fala dos pacientes, diferenciando com bastante precisão os sintomas negativos dos esquizofrênicos. Assim, imaginamos que essa poderia ser uma ferramenta importante para uma primeira avaliação clínica", explicou.

Segundo ela, no caso dos pacientes crônicos, o psiquiatra consegue perceber os sintomas com relativa facilidade, a partir do histórico das crises e das ideias que já apresentam clara falta de conectividade. Por outro lado, em crianças e adolescentes que começam a ter sintomas de isolamento e a escutar vozes de comando, por exemplo, o clínico tem mais dificuldade para diferenciar o problema de bipolaridade ou transtornos de comportamento.

"Percebemos que seria importante aplicar esse método de análise da fala logo início, a fim de poder rastreair quais pacientes poderiam desenvolver no futuro os sintomas negativos mais difíceis de tratar, como a degradação cognitiva."

Como foi o teste da técnica

A pesquiadora, que está concluindo o doutorado em neurociências no Instituto do Cérebro, passou então a acompanhar as crianças que chegavam para a primeira consulta em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil em Natal.

Primeiro, as crianças eram convidadas a contar um sonho da noite anterior e a cientista gravava apenas 30 segundos do relato, a fim de obter um número restrito de palavras. Depois, elas também observavam imagens de conteúdo positivo, negativo, ou neutro e em seguida eram estimuladas a contar o que haviam visto, somando mais 30 segundos de gravação.

Depois da transcrição da gravação, os cientistas carregavam o arquivo de texto em um programa desenvolvido por eles nos estudos anteriores (e que é de uso aberto para os médicos que quiserem utilizar), cujo algoritmo quantifica as características da conectividade das palavras.

Seis meses depois do experimento, já com o diagnóstico das crianças definido, foi possível observar diferenças claras no discurso daquelas que apresentavam esquizofrenia - e testar se o método funcionava. As gravações também foram feitas com crianças sem sintomas, como controle.

"O que observamos - especialmente no relato do sonho - é que, já na primeira entrevista, as crianças que seis meses depois foram diagnosticadas com esquizofrenia contavam a história de uma forma bem menos conectada e menos complexa", disse Natália.

Salada de palavras

 O algoritmo também mostrou que, em relação à conexão das ideias, quando os cientistas embaralhavam todas as palavras, fazendo a estrutura do discurso desaparecer, o resultado totalmente aleatório que se formava tinha pouca diferença em relação à fala da criança esquizofrênica.


"Dos pacientes que receberam diagnóstico de esquizofrenia depois de seis meses, 64% tinham um discurso com conectividade indistinguível do aleatório. Entre os que receberam diagnóstico de transtorno bipolar, 30% tinham esse tipo de discurso", disse Natália. Entre as crianças que não tinham sintomas, apenas 5% apresentavam fala aleatória.

Depois, os pesquisadores combinaram os três diferentes componentes matemáticos utilizados para obter as medidas de aleatoriedade da fala, criando um número único - o índice de fragmentação da fala. O resultado foi ainda mais consistente.

"Ao combinar todos os atributos, descobrimos que o método conseguia prever o diagnóstico de esquizofrenia com mais de 91,67% de precisão. Esse resultado foi obtido com pacientes adolescentes, em sua maioria", afirmou Natália.

A vantagem do método é que, além de ser preciso, barato e não-invasivo, é também muito rápido. Na primeira consulta, o clínico só precisa recolher dois relatos de 30 segundos e transcrever os discursos.

"Daí em diante, tudo é automatizado e o médico chega ao índice de framentação em questão de segundos. Quanto maior o índice, maior a chance do paciente ter sintomas mais graves de esquizofrenia", explicou a pesquisadora.

Fonte: O Estadão
Fábio de Castro, O Estado de S.Paulo

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