quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Ressuscitado: homem passa mal em frente a prédio onde ocorria curso de reanimação e é salvo por alunos e instrutores
Rapidez no atendimento foi essencial para salvar a vida do pintor Flávio Aramis Teixeira, que reencontrou seus socorristas na manhã desta quarta-feira [16/10/2019], na UTI do Instituto de Cardiologia, na Capital

Reportagem ZH - Por Larissa Roso


É motivo de orgulho para o Instituto de Cardiologia mais uma história que mostra agilidade, empenho, vocação e principalmente mais uma vitória da vida.

Urgentíssima, a vida real interrompeu uma aula ministrada no Centro de Treinamento e Simulação de Emergências Médicas (CTSEM), contíguo ao Instituto de Cardiologia, no bairro Santana, perto das 13h do último domingo (13). Instrutores e alunos concluíam, em uma das salas, orientações preparatórias para o módulo prático, previsto para depois do almoço. Eram médicos, enfermeiros, residentes e graduandos em Medicina envolvidos na simulação de um atendimento de parada cardiorrespiratória com a utilização de um manequim como se fosse o paciente. 

Naquele exato momento, do outro lado da rua, o pintor Flávio Aramis Teixeira, 50 anos, percebeu o chão se mexer, revirou os olhos, deu dois passos cambaleantes e tombou na fila em frente ao Espetão Santana, churrascaria aonde havia ido comprar galeto e polenta para o almoço. 

— Socorro, socorro! Meu marido está morrendo! Ele é cardiopata! — desesperou-se a esposa, Jaci Ávila Teixeira, 53 anos.

Fernando Kessler Borges, 36 anos, cardiologista, estava parado próximo a uma janela do segundo andar do CTSEM, de costas, quando, em um átimo de distração, notou a movimentação de populares no que, de primeira, pensou ser o cenário de um assalto. Meia hora antes, uma cortina improvisada com pano e fita adesiva, para reduzir a luminosidade da sala, havia caído. Não fosse esse arranjo malfeito, Fernando talvez não tivesse podido observar que uma pessoa estava caída na calçada do restaurante e empreendia-se uma tentativa de reanimação: uma pessoa erguia as pernas do homem, enquanto outra jogava água nos punhos. Fernando entendeu que precisava agir e comunicou o médico e instrutor Guilherme Camargo Winckler, 27 anos. 

— Tem uma pessoa passando mal — avisou Guilherme ao cruzar com Mariana Tripoli, 23 anos, estudante do quarto ano de Medicina e instrutora do CTSEM, que o seguiu.

Em cerca de 30 segundos, a dupla estava no local. Mariana chamou: 
— Seu Flávio? Seu Flávio?

Nenhuma reação. Estreante em situações do tipo, a graduanda palpou o pulso carotídeo, colocando os dedos no pescoço de Flávio, procedimento repetido, na sequência, por Guilherme. Nada. 

Ainda na janela do prédio, Fernando entendeu que se tratava de uma parada cardiorrespiratória, informação que se espalhou rapidamente pelo CTSEM. 
— Parada, parada! Tá tendo parada! — gritou um funcionário. 
Antes de pegar um desfibrilador e correr, a médica Valentina Morel Corrêa Rodríguez, 29 anos, aluna do centro, duvidou do alerta. 

— Agora vocês resolveram inovar, é? — brincou Valentina, acreditando se tratar de uma encenação para testar os aprendizes.

Logo ficou claro que era de verdade, e entre 20 e 30 pessoas do curso rumaram para o Espetão Santana. Todos queriam colaborar: alguns orientavam o trânsito, outros acudiam a esposa, que, com as pernas trêmulas, aceitou um copo d'água. Flávio, pálido, estava em gasping, respiração agônica típica da insuficiência respiratória que pode acompanhar o quadro de parada cardíaca. Mariana deu início à primeira rodada de compressões torácicas, apertando as mãos sobre o peito do pintor a um ritmo de cem a 120 compressões por minuto. Guilherme acionou o cronômetro. 

Na sequência, apareceu, trazido do CTSEM, um dispositivo bolsa-válvula-máscara, que ajuda a enviar ar para dentro do paciente. Estava sendo conduzido o segundo ciclo de compressões – é preciso haver rotatividade em intervalos de dois minutos, para que o procedimento, cansativo, não perca eficiência – quando Valentina aportou com o desfibrilador, aparelho para dar choques. O coração estava em fibrilação ventricular, um caos elétrico, ou seja, o órgão estava vibrando, como se tremesse, mas não conseguia bombear o sangue. Verificou-se, pelo ritmo mostrado no monitor, que o coração da vítima poderia receber a descarga. 
— Afastem-se! — ordenou Valentina, ajoelhada à direita, com as duas pás do desfibrilador sobre o peito de Flávio. — Choque no três, dois... um!

O corpo deu um solavanco, e continuaram as compressões no tórax. Flávio seguia sem pulso. Olhos no monitor e mais um choque. Na terceira série de compressões sobre o peito é que o pintor reagiu, movimentando as pernas, mas foi só no terceiro choque que ele "voltou". Respirava com dificuldade, e se pôde verificar a pulsação. A assistência continuava. Vanessa Ferrari Wallau, 27 anos, médica residente em medicina de emergência e instrutora do CTSEM, avaliava se o paciente estava orientado:
— O senhor consegue mexer a sua mão?

Flávio a movimentou. Respondeu que não tinha dor e passou a falar normalmente. A plateia explodiu em aplausos. Uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) transportou o paciente para o Instituto de Cardiologia, distante poucos metros dali, onde ele permanece internado. Na manhã desta quarta-feira (16), a convite de GaúchaZH, os envolvidos no salvamento visitaram o protagonista que eletrizou a jornada de estudos do final de semana.  
— Obrigado! — saudou o pintor quando o grupo chegou ao box 9 da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), recebendo abraços e apertos de mão. 

— O senhor lembra de mim? — questionou Vanessa, que o acompanhou na ambulância.

— Sim, mas você estava com um batonzinho diferente — comentou Flávio, provocando risadas.

Seguiu-se uma animada conversa, que postergou o café da manhã servido ao lado do leito. 

— Foi uma nova chance. Que vocês possam passar para outras pessoas tudo o que estudaram. Que eu possa aprender também. Tive um azar que me deu muita sorte. Às vezes, a gente precisa de uns choques — continuou, divertido, salientando que era grato também a Deus. — Não interessa se tenho mais um mês, dois meses. Me interessa a vida — completou ele, convidado a dar uma palestra no CTSEM quando estiver plenamente recuperado.

Entre a identificação da parada e a retomada dos sentidos de Flávio, transcorreram cinco minutos e 50 segundos, um tempo considerado excelente. De acordo com o cardiologista Juarez Barbisan, médico do Instituto de Cardiologia e coordenador do CTSEM, centro parceiro do hospital, o ideal é que o atendimento ao paciente em parada comece em até cinco minutos. A faixa entre cinco e 10 minutos posteriores já é considerada perigosa e, se o socorro se iniciar apenas após 10 minutos, as chances de recuperação sem sequelas neurológicas são pequenas. Como Flávio já tinha, em seu histórico, um infarto (entupimento de artéria do músculo cardíaco que causa dano ao coração), estava mais suscetível a uma parada cardiorrespiratória. 

Está prevista para esta quinta-feira (17) a cirurgia de implante de um desfibrilador no tórax. Este pequeno gerador estará conectado ao coração por um cabo. Se ocorrer uma outra parada, o aparelho será capaz de reconhecê-la e emitir um choque instantâneo. Além disso, o pintor deverá reforçar os cuidados com a saúde, tomando medicações e mantendo uma rotina regrada. 

A recomendação para quem se defronta com situação semelhante à descrita nesta reportagem é a de acionar, imediatamente, o Samu. E o treinamento para reanimação, como frisaram os anjos da guarda de Flávio, não é restrito a profissionais da área da saúde. 

— O paciente não foi salvo só por causa do choque ou dos médicos. Foi por causa do atendimento básico de qualidade, que qualquer um pode fazer — explicou a enfermeira Carina Trindade de Castro. — Você pode salvar vidas com as suas mãos.

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